Para as eleições municipais deste ano, pela primeira vez o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) (foto) inseriu diretamente nas regras que regem o pleito diversos critérios objetivos para caracterizar fraudes na quinhão de gênero.
A medida foi tomada em fevereiro quando os ministros aprovaram uma inédita solução sobre ilícitos eleitorais, visando alongar dúvidas sobre quais condutas o tribunal considera delituosas, segundo o estado da arte da jurisprudência.
Pela novidade norma, por exemplo, incorre maquinalmente em fraude a candidata a vereadora com votação zerada ou pífia, sem importar o motivo alegado para a baixa votação.
Também será considerada laranja a candidatura feminina com prestação de contas idêntica a uma outra, ou que não promova atos de campanha em favor próprio. Tais situações configuram fraude mesmo se ocorrerem sem a intenção de fraudar a lei, segundo as regras aprovadas.
Outro ponto consolidado foi o de que todos os votos recebidos pela legenda ou coligação envolvida com a fraude devem ser anulados, o que resulta, na prática, na cassação de toda a bancada eventualmente eleita.
Considerada rígida pelos partidos, a regra é resultado de anos de julgamentos e condenações, sobretudo, no último ciclo das eleições municipais, destacam especialistas ouvidas pela Sucursal Brasil. Desde 2020, o TSE condenou diversas legendas por fraude na quinhão de gênero, em ao menos 72 processos oriundos de municípios de todas as regiões do país.
“Ao colocar os critérios numa solução, a Justiça está passando um sinal ainda mais poderoso”, disse a advogada Luciana Lóssio, que foi ministra do TSE entre 2011 e 2017 e participou dos primeiros passos desse progresso jurisprudencial.
O caso mais recente foi julgado nessa quinta-feira (7), quando o plenário do TSE declarou a fraude praticada pelo PSB no município de Cacimbas, na Paraíba, e pelo PDT em Pombos, em Pernambuco. Em ambos os casos, toda a bancada eleita de vereadores pelos partidos foi cassada.
Lento progresso
Até chegar às regras atuais, foi percorrido um caminho de décadas. A primeira política afirmativa para candidaturas femininas data de 1995, quando foi aprovada a suplente de 20% das candidaturas para mulheres, mas sem a obrigação dessas vagas serem de vestuário preenchidas, o que nunca ocorria.
Desde logo as cotas para candidaturas femininas subiram para 30% e se tornaram obrigatórias. Num dos avanços mais recentes, em 2022 foi inserida na Constituição a obrigação expressa dos partidos aplicarem os recursos públicos de campanha em candidaturas femininas, na mesma proporção do número de candidatas e no mínimo em 30%.
Na mesma emenda constitucional, todavia, o Congresso Vernáculo aprovou uma espécie de perdão aos partidos. Aqueles que tiveram contas reprovadas por não aplicarem quantia na promoção de candidaturas femininas ficaram livres de qualquer punição.
“O que tinha que ser feito em termos de aprimoramento legislativo e jurídico foi feito. Agora é recontar com o sazão civilizatório dos dirigentes dos partidos políticos”, afirma Luciana Lóssio. “Os atores do processo eleitoral precisam se conscientizar de que a Justiça não vai mais tolerar o jeitinho que se dava”, acrescenta.
A advogada lembra porquê, no início, praticamente não havia instrumentos jurídicos para se caracterizar uma candidatura porquê laranja, por exemplo. “Se exigia requisitos tão precisos, tão difíceis de serem alcançados, que realmente não se vislumbrava a concretização dessa fraude”, recorda.
“Hoje, a jurisprudência está altamente solidificada no sentido de combater a fraude na quinhão de gênero com indícios muito mais concretos e de fácil percepção”, acrescenta.
Consciência forçada
Para a advogada Renata Aguzzolli Proença, integrante da Liceu Brasileira de Recta Eleitoral e Político (Abradep), o vestuário de critérios objetivos terem sido incluídos numa solução eleitoral deve incentivar que as fraudes sejam caracterizadas mais cedo.
“A solução traz uma certa vinculação, sendo uma forma de orientação aos juízes eleitorais, que, por vezes, estão atuando numa eleição esporadicamente. Vai aumentar muito para que já no primeiro intensidade surjam essas punições”, avalia a defensora, que atua no Rio Grande do Sul.
Nas eleições municipais deste ano, ela acredita que deve ter um maior desvelo dos dirigentes locais das legendas com o tema. Para evitar incorrer em fraude, ela sugere o envolvimento cada vez mais cedo das mulheres na vida partidária, muito antes das candidaturas.
“A gente sabe porquê é difícil em muitos municípios ter essa participação das mulheres, mas isso porque no dia a dia elas não estão envolvidas na política. Trazer as mulheres realmente interessadas é a melhor forma de evitar todo esse problema”, conclui.
Apesar de regras mais rígidas, as advogadas ouvidas pela Sucursal Brasil ressalvam que ainda há um longo caminho até que as mulheres ocupem o Legislativo na mesma proporção que representam do eleitorado, ou seja, 53% do totalidade. As mulheres ocupam hoje unicamente 17,7% das vagas no Congresso Vernáculo, por exemplo. Para se compreender essa paridade, “a Justiça tem que ser intransigente”, finaliza Luciana.