Quando era juvenil, Yvonne Mascarenhas gostava de grafar e pensava em se tornar jornalista. Porém, quando chegou a estação do vestibular, acabou optando pela química. “Tive um óptimo professor e, pensando muito, vi o quanto a química é útil para a sociedade”, diz Yvonne, ao lembrar da decisão que a levou a ser a primeira mulher a ocupar uma cadeira no Departamento de Física da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP), em 1956.
Quase 70 anos depois, aos 92 anos de idade, Yvonne vê na docência uma de suas maiores realizações na curso. “Eu sempre digo: ‘não foi nenhum trabalho peculiar que eu fiz, que eu considere assim tão importante’. O mais importante foi o número de pessoas que aprenderam comigo, aprenderam nos cursos que eu organizei.”
Yvonne Mascarenhas, primeira mulher a ocupar uma cadeira no Departamento de Física e Engenharia de S. Carlos da USP em 1956.Foto: Paulo Pinto/Sucursal Brasil
Em 2001, aos 70 anos e com quase 50 anos porquê professora da USP, ela se aposentou compulsoriamente, mas não deixou a universidade. “Recebi primeiro o título de professora emérita, depois surgiu uma posição na USP, que se labareda professor sênior, que tem até um contrato. Não é um contrato de trabalho, é uma permissão de uso dos espaços”, explica. “Posso ter uma sala, ter meu computador, ter o laboratório. Só não posso dar lição, nem ter atividade administrativa”, diz a pesquisadora, ao lembrar porquê continuou orientando alunos de mestrado e doutorado depois da aposentadoria.
Prêmios
Yvonne Mascarenhas. Foto: Paulo Pinto/Sucursal Brasil
Yvonne, que estudou nos Estados Unidos e na Inglaterra, ganhou diversos prêmios especializando-se na cristalografia, ciência que estuda a formação dos materiais a partir da forma porquê as ondas os atravessam. “Porquê eu trabalhei em uma extensão muito interdisciplinar, tive prêmios de sociedades de química, de física”, relata, sem primar nenhuma honraria em peculiar.
Em 2017, ela foi uma das 12 cientistas agraciadas com o prêmio Distinguished Women in Chemistry or Chemical Engineering Awards, da União Internacional de Química Pura e Aplicada (Iupac).
Na última terça-feira (6), foi a vez de receber o Prêmio Carolina Bori Ciência & Mulher da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). “Eu posso primar porquê sendo um que engloba praticamente todos os outros de uma maneira porquê se fosse agora uma desfecho da minha vida”, resumiu a professora, logo em seguida participar da cerimônia de entrega dos troféus no campus Maria Antônia da USP, no meio da capital paulista.
A professora conta que tem um carinho peculiar pela SBPC, por desculpa do papel que a instituição teve durante a ditadura militar. “Nos maiores momentos da vida pátrio, em que vivíamos angustiados com os amigos sendo presos, torturados, durante a ditadura, a SBPC foi uma sociedade que teve comportamento único de resguardo da democracia, de resguardo dos direitos humanos.”
Neste Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, lembrado anualmente no dia 11 de fevereiro, a Sucursal Brasil traz uma entrevista exclusiva com a pesquisadora que lembra os momentos mais marcantes de sua vida e sua curso na ciência:
Sucursal Brasil – Porquê a senhora decidiu se tornar investigador?
Yvonne Mascarenhas – Eu fui, quando era juvenil, muito apaixonada por literatura, jornalismo, tudo que é de arte, tudo que é informação. O meu ideal era estudar no ensino superior na extensão de letras. Meu pai me estimulava muito, porque, porquê eu gostava muito de grafar, e ele tinha um camarada que tinha um jornal, de vez em quando, ele pegava uma das minhas redações, porquê se chamava naquele tempo, levava lá e publicava.
Mas quando eu cheguei no que antigamente chamava-se curso colegial, que era dividido em clássico e científico, eu fui para o clássico, mas tive professores muito bons em matemática, física e química, mesmo dentro do curso clássico. Logo, eu me interessei muito por química. Tive um óptimo professor e, pensando muito, eu vi que a química é tão útil para a sociedade, tem tantas vertentes em que ela é importante, tanto nas aplicações biológicas porquê nas aplicações industriais.
Eu me apaixonei pela química, principalmente a extensão de química orgânica. Aí, resolvi fazer vestibular para química. Consegui, passei, entrei na Faculdade de Filosofia, que antigamente era a Faculdade Vernáculo de Filosofia da Universidade do Brasil, porque o Rio de Janeiro era a capital. E se transformou essa universidade em UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro].
No meu tempo – era um tempo muito mais pacífico, digamos assim –, tudo acontecia, a faculdade de filosofia era ali perto da Cinelândia, do Rio, um lugar muito privilegiado. Tem o Teatro Municipal, a Livraria Vernáculo, todos os cinemas, que era uma das coisas principais daquela estação, teatros, tudo por ali. Eu tive uma oportunidade maravilhosa de conviver com cientistas, com matemáticos, com biólogos, tudo desde a Faculdade de Filosofia, e ao mesmo tempo frequentar esse envolvente cultural riquíssimo que era no Rio de Janeiro. Eu tive muita sorte.
Sucursal Brasil – Qual foi o seu primeiro marco na curso de investigador?
Yvonne Mascarenhas – Determinar eu mesma, dentro da química, o que achava interessante, foi quando fiz uma disciplina com um professor que tinha feito de voltar dos Estados Unidos, tinha se doutorado no MIT [Instituto de Tecnologia de Massachusetts], chamava-se Elysiário Távora [importante geólogo]. Ele tinha se doutorado junto com um orientador que era um dos grandes cristalógrafos da estação, em que a cristalografia estava se formando mesmo, de difração de relâmpago x. E ele nos deu um curso muito interessante.
Eu falei: “é isso que eu quero”. Porque as propriedades de todos os materiais dependem da estrutura molecular e da estrutura do empacotamento das moléculas dentro do cristal, dentro do material que vai ser usado.
Sucursal Brasil – O que é a cristalografia?
Yvonne Mascarenhas – É o estudo dos cristais. É um estudo, porque pode não ser cristal, começou porquê cristal, mas hoje em dia até com materiais amorfos a gente tem certas aplicações da difração e espalhamento de raios x. Logo fiquei nessa extensão. [estudo da estrutura dos materiais a partir da maneira como as ondas, como os raios-x, se espalham ao atravessar a matéria].
Evidente que essa extensão evoluiu muito. Hoje em dia, tem difração de nêutrons, aperfeiçoam-se muito as espectroscopias. A extensão de preceito de estruturas moleculares até hoje é muito importante. Quando era mais fácil, molécula pequena, depois passava para proteína, passava para moléculas muito maiores. Hoje em dia, complexos de proteína. Está indo assim num desenvolvimento insólito e muito vivo até hoje. Se você pensar muito, o Brasil se envolveu em ter um laboratório pátrio de luz síncrotron, lá em Campinas, é do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico]. E aquilo se transformou no CNPEM [Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais], e agora nós temos um dos maiores aceleradores para essa finalidade lá no CNPEM.
É uma extensão que está muito viva até hoje. Tem muito aluno que está interessado nisso, tanto [de] departamentos químicos porquê físicos, muitas vezes bioquímicos, [que] acabam entrando nessa extensão para entender a estrutura das moléculas, para entender porquê que elas funcionam.Sucursal Brasil – A senhora falou da preço que os professores tiveram na sua motivação. Vendo-se hoje, com muitos anos porquê professora, a senhora tem esse orgulho, essa felicidade de sentir que motivou muita gente também?
Yvonne Mascarenhas – Olha, esse é o principal resultado do resultado do meu trabalho. Eu sempre digo: ‘não foi nenhum trabalho peculiar que eu fiz que eu considero assim tão importante’. O mais importante foi o número de pessoas que aprenderam comigo, aprenderam nos cursos que eu organizei. Não cursos na faculdade, na universidade. Cursos que podiam receber gente de qualquer lugar. Eu organizei muitos cursos fora de São Carlos, em Brasília, em Belo Horizonte, em vários lugares.
Essas pessoas que se formaram e que aprenderam, e que depois até foram fazer doutoramento fora do Brasil, até porque, esses cursos, em que a gente mostrava o quadro da cristalografia mundial e que levaram à formação de uma comunidade que absolutamente não existia quando eu voltei dos Estados Unidos, em 1960. Essa comunidade [que estuda cristalografia] é extremamente ativa. Eu fico muito feliz.
Sucursal Brasil – A senhora poderia descrever um pouco mais das experiências internacionais que teve ao longo da curso?
Yvonne Mascarenhas – A primeira foi na Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, onde eu tive uma sorte incrível de encontrar o professor Ernesto Hamburger. Ele estava fazendo física nuclear, que era coisa da voga na estação.
Eu estava muito desanimada porque a minha bolsa era para uma outra instituição lá de Pittsburgh, a Carnegie Tech. Aí, eu falei com ele que eu ia desistir, que eu ia fazer qualquer outra coisa, ia fazer uns cursos, umas disciplinas. Ele falou: ‘não, mas o melhor curso de cristalografia dos Estados Unidos é cá, na Universidade de Pittsburgh’.
Eu fui lá e encontrei o director do laboratório, um inglês maravilhoso, o George Jeffrey, que relutou um pouquinho, mas depois me aceitou. Sem nenhuma burocracia, eu usei a minha bolsa da Fulbright e, em vez de ir no Carnegie Tech, eu usei trabalhando no laboratório do professor Jeffrey, lá na Universidade de Pittsburgh.
Foi uma maravilha, porque ali eu tive contato direto, havia um bom laboratório, com as técnicas daquela estação, de 1960 – que era muito antes da automação, e tudo isso, mas com gente muito competente. Meu orientador era um faceta muito bacana, Brian Craven, um cristalógrafo da Novidade Zelândia radicado nos Estados Unidos, e que me botou para trabalhar, nem querendo saber quanto eu sabia de cristalografia nem de relâmpago x.
Eu estava em um envolvente muito bom, com aquele monte de alunos ali, em que um ensinava o outro . Fui aprendendo e consegui trazer o conhecimento, que eu posso expor que não era muito profundo, mas era razoável para encetar. E aí comecei o laboratório de cristalografia lá em São Carlos [interior de São Paulo].
Sucursal Brasil – A senhora voltou dos Estados Unidos e já foi para São Carlos?
Yvonne Mascarenhas – Não, eu fui para São Carlos, passei lá uns quatro, cinco anos, aí fui para Pittsburgh. Depois que me graduei, conseguimos ofício, eu e o Sérgio [marido], para trabalhar na Universidade de São Paulo, no campus de São Carlos, onde tinha uma escola de engenharia. Logo, eu e ele, depois que trabalhamos lá uns 4, 5 anos, conseguimos um retraimento, fomos passar um ano nos Estados Unidos com bolsa Fulbright, uma bolsa americana [organização internacional vinculada aos governos do Brasil e dos Estados Unidos].
Com isso, passamos lá quase dois anos. Quando acabou a bolsa Fulbright, o próprio faceta do meu laboratório, o Jeffrey, me ofereceu uma bolsa de um contrato dele. E a mesma coisa aconteceu com o Sérgio, lá do Carnegie Tech. E criamos ótimos amigos nessa estação, foi maravilhoso. Aí ficamos lá de meados de 59 até o término de 60 e voltamos para São Carlos.
A cada quatro anos na USP você tinha recta ao que se chamava uma licença-prêmio, que era equivalente a um ano letivo fora do Brasil. Fomos para a Universidade de Princeton, depois eu fui para Boston, para a Universidade de Harvard, e depois, finalmente, a quarta saída, fui para a Universidade de Londres, onde passei um tempo muito bom, tendo um bom contato com cristalografia de proteínas, que era uma coisa que me interessava, difícil, muito difícil, mas que me deu um banho de cristalografia de proteínas.
Voltei para o Brasil, comecei a tentar fazer coisas com proteínas.
Sucursal Brasil – Qual a preço para a senhora de ter recebido Prêmio Carolina Bori Ciência & Mulher da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência?
Yvonne Mascarenhas – Eu acho que foi uma teoria reluzente da Carolina [Bori, que foi presidente da SBPC], fazer essa premiação, porque as mulheres estão tendo um entrada, mas ainda falta muito para elas realmente terem disposição de entrar nessas carreiras mais difíceis, lutar pelos seus direitos e, principalmente, visar os postos mais elevados da função.Por exemplo, quando chegam à universidade, elas muitas vezes fazem mestrado, doutorado, às vezes, fazem postdoc, mas, depois, na hora da competição, para entrar porquê professoras, não é muito fácil. Algumas conseguem. Agora, galgar dentro da curso docente vai ficando mais difícil.
Eu tenho a sentimento de que tem algumas que até já nem competem, porque acham que é muito difícil, muito difícil vencer a barreira. Mas eu acredito que muitas já estão conseguindo ser professoras titulares. Logo, precisa estimular para que elas não desistam de fazer uma curso dentro da sua profissão, seja ela qual for, visando o progresso que elas merecem pela experiência, pelo conhecimento, pelo trabalho. Não precisa nem ser em ciência.
Em qualquer empresa, a mulher tem que entrar pensando: ‘eu vou poder ser director de sessão, eu vou poder ser gerente de não sei o quê’. Eu tenho visto muitos que estão conseguindo fazer isso. Acho que estamos no caminho evidente. Ainda não é o ideal, não é, mas estamos no caminho evidente. O foco está lá longe, mas estamos caminhando na direção dele. Estou muito otimista quanto a isso.
Sucursal Brasil – A senhora teria alguma coisa a expor para as mulheres que pensam em seguir curso na ciência?
Yvonne Mascarenhas – Que as mulheres novas agora sigam o exemplo das que já usaram os direitos e se estimulem mais ainda para exercitar esses direitos de ensino, de procura de uma vida econômica independente, sem ser dependente nem de marido, nem de pai, nem de ninguém, e que sejam felizes com uma vida em que elas se sintam mais muito realizadas, e sem desistir da vida familiar, se elas quiserem ser mães. Permanecer frustrada porque não tem um rebento também não é muito bom. Permanecer frustrada porque não tem família também não é muito bom. O isolamento às vezes é penoso para mulheres. Para algumas mulheres, é a solução, para outras, não é.
Logo, quando elas optarem por terem uma vida familiar, que saibam escolher um bom faceta de cabeça oportunidade. Hoje em dia, já existem muitos, graças a Deus. Quando a gente fala da liberação das mulheres, eu acho que é também dos homens, de deixar de ser o preconceito contra a atividade da mulher. Já temos muitos homens de boas famílias, que têm essa cabeça oportunidade. Encontrar um bom marido com cabeça oportunidade, que os dois façam uma vida profissional de muito sucesso e que eduquem muito seus filhos.
E que ela, na hora mais difícil, que é quando tem rebento, não perda o foco do seu ideal profissional. Continue trabalhando firme e mantendo o foco na profissão muito aceso, muito vivo, para poderem se realizar e se realizarem também porquê mães, porquê mães de família, porquê papel social. Quando a mulher tem filhos, começa a ter um papel social muito maior. Tem que se preocupar com a ensino das crianças e tudo mais.
Sucursal Brasil – A senhora teve quantos filhos?
Yvonne Mascarenhas – Eu tive quatro. Quatro filhos. Quando eu fui para Pittsburgh, aquela senhora que está comigo [aponta para a filha do outro lado da sala], a Ivoninha, ela tinha 3 anos e o irmão dela, 4. Levei, coloquei no jardim de puerícia, no kindergarten [jardim de infância], eles ficavam quase o tempo todo lá, eu tinha que transpor correndo, às 4h, para pegar eles. Nem precisava porque tinha uma meio que levava eles para moradia.
Eu ia trabalhando o que dava para trabalhar, chegava em moradia, fazia jantar, cuidava um pouco da moradia. No término de semana, cuidava da roupa, da limpeza, mas isso daí eu fiz sem nunca deixar de fazer a coisa que me interessava, que era a cristalografia. E todas as vezes foi assim. Sempre levamos nossos filhos junto [dois dos filhos de Yvonne são falecidos]