A Câmara dos Deputados aprovou, na última terça-feira (20), o Projeto de Lei (PL) 8035/14, que exige a apresentação de diploma negativa de antecedentes criminais para os profissionais que trabalham com crianças. A material deve passar agora pelo Senado. O projeto recebeu críticas por ser espaçoso e poder gerar discriminação, já que impediria também a contratação de pessoas com qualquer tipo de precedente criminal, uma vez que rapinagem e mordacidade.
O PL é uma das 11 propostas apresentadas pela Percentagem Parlamentar de Interrogatório (CPI) da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, que funcionou na Câmara dos Deputados entre 2012 e 2014.
O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) avalia que o projeto tem um viés elitista e apontou que o PL não se atém àquele que cometeu crimes sexuais, mas abrange quem cometeu qualquer tipo de delito. “Quer proferir que uma pessoa que cometeu um rapinagem com 18 anos de idade e depois aos 40, 50 anos, [quer] facilitar por exemplo no administrativo de escolinhas de futebol para crianças, não vão poder fazê-lo?”, disse na audiência de votação na Câmara.
A deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), relatora do projeto na Percentagem de Constituição e Justiça (CCJ) e que recomendou sua aprovação, disse que eventualmente alterações em relação aos crimes podem ser feitas no Senado. “O importante é que a gente garanta para essa muchacho que não tenha de nenhuma maneira um profissional que passou por uma penalização num delito contra a pundonor sexual lhe sendo oferecido esse trabalho”, disse na ocasião.
Repercussão
O ex-Secretário Pátrio dos Direitos da Petiz e do Juvenil e ex-presidente do Parecer Pátrio dos Direitos da Petiz e do Juvenil (Conanda), Ariel de Castro Alves, avalia que a proposta do PL é ampla e precisa ser melhor redigida, pois pode gerar constrangimentos e discriminações, que são vedados pela Constituição Federalista.
“A lei, se aprovada dessa forma, gerará processos judiciais, que podem ser ações de inconstitucionalidade, por contrariar princípios constitucionais, uma vez que o da presunção de inocência e da isonomia (todos são iguais perante a lei). E mandados de segurança por constrangimentos ilegais e abusos de poder de pessoas que forem impedidas de ingressar em trabalhos e funções por não terem certidões negativas de antecedentes criminais”, disse.
O jurisconsulto, que é profissional em direitos da puerícia e juventude, aponta que um projeto de lei ideal, neste tema, deveria exigir certidões de antecedentes criminais – e não a diploma negativa -, com a finalidade de verificação se os pretendentes aos cargos, empregos ou funções públicas ou privadas já foram condenados por crimes contra crianças e adolescentes, incluindo os crimes sexuais, mas também maus tratos, orfandade de incapaz, tortura, homicídios, entre outros.
“A diploma negativa de antecedentes aparece uma vez que ‘zero consta’ sobre inquéritos e processos que a pessoa tenha respondido. Mesmo que a pessoa tenha sido absolvida, acaba não sendo uma diploma negativa, já que vai constar se a pessoa respondeu e foi absolvida. A pessoa, mesmo se absolvida ou se ainda estiver respondendo processo, pelo texto da lei, que exige ‘diploma negativa’, poderia ser impedida do ingresso no tarefa”, explicou.
A justificativa do projeto de lei, de evitar que acusados processados ou condenados por crimes sexuais atendam crianças e adolescentes, não está de convénio com o que foi validado, de convénio com Alves. “[O PL] acaba sendo extremamente genérico, impedindo que quem já foi processado ou sentenciado por qualquer delito, que pode ser rapinagem, apropriação indébita, estelionato, calúnia, injúria, mordacidade, entre outros, e não unicamente crimes sexuais contra crianças e adolescentes, atuem com crianças e adolescentes.”
“Entendo que se a pessoa foi condenada por delito contra crianças e adolescentes, posteriormente o trânsito em julgado, quando não cabem mais recursos, por incompatibilidade, não deve trenar empregos, cargos e funções relacionadas ao atendimento de crianças e adolescentes”, finalizou o jurisconsulto, em relação à contratação, no contexto do enfrentamento ao injúria e à exploração sexual.
Consequências em escolas
O presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo (Sieeesp) José Antonio Antiório disse ser favorável ao PL e à apresentação da diploma de antecedentes criminais, mas que precisaria observar a tipificação do delito cometido.
“Porque senão você pode impedir uma grande segmento da população. Por exemplo, se eu tenho uma empresa, eu cometo uma lacuna administrativa e financeira dentro da empresa, e eu tenho que ser penalizado pela lei de detenção, por exemplo, isso não é um delito que avilta o trabalho de uma pessoa dentro de uma escola”, ponderou.
“Agora, se for um delito de rapinagem, de roubo, de assassínio, enfim, eu acho que você tem que realmente manter o atestado de precedente e não permitir que ninguém entre dentro do estabelecimento de ensino com essas performances”, acrescentou.
A Confederação Pátrio dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) avalia que não unicamente o projeto de lei, mas a Lei 14.811/2024, ambos relacionados à exigência de diploma de antecedentes criminais nas escolas, são inconstitucionais e discriminatórios, além de terem potencial ideológico.
Além do PL validado na Câmara, a entidade destaca a Lei 14.811, de 12 de janeiro de 2024, que acrescentou ao Regimento da Petiz e do Juvenil (ECA) mandamento para que estabelecimentos de ensino públicos e privados mantenham fichas cadastrais e certidões de antecedentes criminais atualizadas de todos os seus empregados.
O coordenador universal da Contee, Gilson Reis, avalia que tais medidas podem levar à criminalização dos trabalhadores, em um contexto em que a ensino tem sido atacada pelo conservadorismo.
“O escopo dos crimes é infinito. São vários tipos de crimes que poderão ser colocados à disposição de pessoas de má índole ou pessoas que querem combater a ensino, para poderem inviabilizar profissionais de ensino. A lei deixa um processo muito crédulo, sem que a gente possa definir com transparência o que é o interesse ou a intenção por trás dessa lei”, disse.
Ele ressaltou que “hoje 80% dos crimes sexuais ocorrem no interno da família. Não é na escola. A escola, o professor e a professora são um fator de denúncia, de proteção da muchacho, de invocar atenção dos conselhos tutelares, de [garantir] a própria Constituição. O que estão tentando é combater aqueles que são, na prática, o atenção contra os vários crimes cometidos contra a puerícia e a juventude do nosso país”.
Para o jurisconsulto José Geraldo de Santana Oliveira, consultor jurídico da Contee, tanto a lei quanto o PL estão em desacordo com a presunção de inocência, que é assegurada pelo cláusula 5º, inciso 57, da Constituição Federalista, que diz que ninguém é considerado culpado senão mediante sentença penal condenatória transitada em julgado. “Essas certidões terão muito mais um caráter ideológico, um caráter de, eu diria, fuzilamento moral, do que propriamente o resultado prático”, avaliou.
Ele acrescenta que uma diploma de antecedentes criminais positiva não significa que o caso já tenha pretérito em todas as instâncias da Justiça. “Se ele [trabalhador] foi sentenciado e pagou a pena, [o PL] fere a garantia do princípio do non bis in idem. Quer proferir, ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo indumento. E, se não foi [condenado], se não há sentença que passou em julgado, quer proferir que não cabe mais recurso, fere a presunção de inocência. Veja o tamanho do imbróglio”, explicou.