A Percentagem Parlamentar Mista de Sindicância (CPMI) que investigou os ataques antidemocráticos de 8 de janeiro aprovou em outubro de 2023 o relatório final da senadora Eliziane Gama (PSD-MA). O documento pediu o indiciamento de 61 pessoas por crimes porquê associação criminosa, violência política, supressão do Estado Democrático de Recta e golpe de Estado. Entre elas, o ex-presidente Jair Bolsonaro e ex-ministros porquê Walter Braga Neto, da Resguardo, Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e Anderson Torres, da Justiça.
Senadora Eliziane Gama durante leitura do relatório final da CPMI do Golpe. Foto Lula Marques/ Dependência Brasil – Lula Marques/ Dependência Brasil
Para a senadora Eliziane Gama, o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, “foi responsável intelectual e moral” dos ataques perpetrados contra as instituições que culminaram no dia da intentona da extrema direita. Conforme a parlamentar apresenta nas conclusões do relatório da CPMI, o ex-mandatário “usou seus seguidores” para tentar “evadir aos próprios crimes”.
A intenção de Bolsonaro seria estimular “uma insurreição que deixasse os poderes constituídos de joelhos; uma rebelião que enfraquecesse o governo que unicamente começava e que espalhasse o caos; um processo anárquico que disseminasse o susto e que inspirasse, aos setores mais moderados da sociedade, o libido de transigência. Seria leste o caminho da anistia e da restauração popular: produzir a desordem, para vender a conciliação, ao preço dos indultos e das graças constitucionais.”
Gama avalia, no texto revalidado pela percentagem, que do ponto de vista dos terroristas “a invasão e a depredação dos prédios públicos seriam unicamente o torcida. A atrapalhação se espalharia. O Brasil se contagiaria. A República cairia”.
Avaliações de acadêmicos e pesquisadores de diferentes formações ouvidos pela Dependência Brasil apontam nuances às razões descritas pela CPMI para o conluio e o ataque contra a democracia.
Para Tales Ab´Sáber, psicólogo, redactor, cineasta e professor de filosofia da psicanálise no curso de Filosofia da Universidade Federalista de São Paulo (Unifesp), o 8 de janeiro “foi uma insurgência de extrema direita que contava com conexão mágica e imaginária com as Forças Armadas, que viriam salvar o Brasil”.
Tales Ab´Saber, professor de Filosofia da Psicanálise no curso de Filosofia da Universidade Federalista de São Paulo (Unifesp). USP Pensa Brasil/Divulgação
Segundo ele, o Tropa mantém um “comportamento dúbio” em relação aos apelos antidemocráticos e é visto por segmento da sociedade porquê “uma força que pode intervir no caos brasiliano.”
Os apelos autoritários têm lastro histórico e estão registrados nas manifestações nas redes sociais de 2015 e 2016, antes do impeachment de Dilma Rousseff, quando “essa extrema direita estava radicalizando na internet e já propunha a queda de Brasília e mediação do Tropa”.
As manifestações golpistas nas redes sociais são segmento do material retraído para a produção do documentário “Mediação – Paixão não quer expressar grande coisa”, dirigido por Ab’Saber, Rubens Rewald e Gustavo Aranda. O filme disponível na internet foi exibido na mostra paralela da 50ª edição Festival de Brasília do Cinema Brasílico (2017).
Golpe de vista
O antropólogo Piero Leirner, professor titular da Universidade Federalista de São Carlos e estudioso de questões militares, guerra e Estado, considera que além do autoritarismo de segmento da sociedade registrada em filme e das intenções do ex-presidente apontadas na CPMI, havia mais interesses em jogo.
Segundo Leiner, os militares forneceram chuva, luz, banheiro e segurança no acampamento dos bolsonaristas diante do Quartel General do Tropa em Brasília e “estavam totalmente conscientes do que acontecia ali.” O professor lembra: “eles não permitiram desmobilizar o acampamento”.
Antropólogo Piero Leirner, professor titular da Universidade Federalista de São Carlos e estudioso de questões militares, guerra e Estado. Piero Leiner/Registro Pessoal
Na opinião do perito, os militares fizeram “um de golpe de vista” e, tendo porquê “roteiro” o que havia sucedido no levante contra o Capitólio em Washington (Estados Unidos) em 6 de janeiro de 2021, “produziram uma espécie de ilusão golpista”.
A quimera da insurreição foi funcional aos militares para “entrar no novo governo, numa posição de vantagem” e manter sob seu controle áreas de interesse, porquê a Secretaria de Segurança Institucional, a circulação nas fronteiras, portos e aeroportos – porquê inclusive estabelece a missão de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), desde novembro de 2023, para os aeroportos e portos do Rio de Janeiro e São Paulo.
Thiago Trindade, professor apenso e atual vice-diretor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, concorda com o diagnóstico de Piero Leirner quanto à leniência com o acampamento proibido diante do Quartel General de Brasília e quanto ao posicionamento dos militares para tutelar interesses estratégicos.
O pesquisador político, no entanto, pondera que há uma relevo fundamental entre o 6 de janeiro em Washington (EUA) e o 8 de janeiro em Brasília. “A grande diferença é justamente a participação dos militares no Brasil.”
Para Trindade, o “evento” em nossa capital federalista funcionou porquê “uma espécie de recado. Uma espécie de um aviso dizendo o seguinte, ‘olha as regras do jogo agora mudaram’. Não é mais aquela disputa que estava disposto ali na lógica PT e PSDB. A desavença passou a ser com a extrema direita”.
Democracia
Colega de Thiago Trindade no Instituto de Ciência Política da UnB, o professor Lucio Rennó descreve que “o 8 de janeiro é o ponto mais cimalha de um processo continuado de crise da democracia no Brasil. De mudança das expectativas da população sobre o funcionamento do regime democrático”.
Rennó acredita que a polarização é elemento do processo de crise com a democracia, com a qual se constroem visões de mundo autoritárias que dificultam o diálogo e a convívio entre antagonistas. “Existe um clima de que há pessoas certas na política e pessoas erradas, e as pessoas [supostamente] erradas precisam ser combatidas.”
Esse seria o caso do “núcleo duro do bolsonarismo que é em prol de golpe, da derrubada do regime democrático”. Conforme o professor, “essa parcela é a que foi às ruas de forma violenta no 8 de janeiro.”
Lucio Remuzat Rennó Junior, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. UNB/Divulgação
Para o acadêmico que observa o comportamento da opinião pública no Brasil desde 2018, o ex-presidente Jair Bolsonaro soube aproveitar os sentimentos de frustração com a democracia e propor “uma agenda também conservadora de costumes, liberal economicamente – muito alinhada com movimentos de outras partes do mundo.”
A tarifa liberal – neoliberal ou ultraliberal segundo cientistas sociais e economistas – encampada pela extrema direita no Brasil e outros países, mobiliza setores da opinião pública e de atividade empresarial em obséquio de medidas de ajuste econômico.
Em alguns casos de reforma econômica – aquelas que causam recessão, desemprego, subtracção de renda e redução de direitos trabalhistas – pode possuir polarização política entre defensores das medidas e seus contestadores. Inexorável, o antagonismo político leva à perda de garantias civis e individuais.
A polarização política no Brasil, que culminou no 8 de janeiro, não resultou na interrupção do regime democrático ou situação política que favorecesse a adoção de política econômica recessiva com controle da oposição. Mas os setores econômicos que repelem a fiscalização do trabalho, a proteção ambiental e os direitos de minorias (porquê os indígenas) – além daqueles que atuaram por isenções tributárias específicas – se beneficiaram durante o governo Bolsonaro.
A presente é do economista André Roncaglia, professor Unifesp, que evita “fazer generalizações”, porque os grupos econômicos no Brasil “são bastante heterogêneos.” Ele afirma, todavia, que “é indiscutível que um endurecimento do regime, um processo de autocratização do governo Bolsonaro beneficiaria alguns grupos.”
“Quando o Estado atua de maneira democrática, ou seja, com seus órgãos de fiscalização atuantes, identificando as atividades que são contrárias à Constituição e contrárias à legislação, é evidente que esses setores eles têm menos chance de prosperar”, sentencia o economista.
Não há garantia histórica de que os regimes democráticos são mais exitosos no desenvolvimento econômico e no desenvolvimento social. Roncaglia pondera que no caso do Oeste, “os países evidentemente que tem um desempenho [econômico] melhor, e que conseguem sustentar um ritmo de desenvolvimento mais sustentável estão em média associados a arranjos democráticos em que o povo, as pessoas, conseguem expressar as suas vontades.”
Os empresários financiadores, alguns que têm o nome listado no relatório da CPMI de 8 de janeiro, devem ser punidos assim porquê os mentores, instigadores e executores do atentado porquê conclui o documento. O texto revalidado da senadora Eliziane Gama também traz recomendações de mudança na lei para “a correção das falhas de Estado que permitiram que o 8 de janeiro ocorresse ou que dificultaram esta investigação”.
Por término, a relatora assinala a urgência de todos os brasileiros refletirem sobre a atuação da extrema direita, a intentona bolsonarista e a urgência de pôr término do golpismo contra a democracia. “É antes um invitação para que a sociedade brasileira, em cada um dos seus mais diversos segmentos, aprofunde o estudo das causas que tornaram o 8 de janeiro provável, e que proponha as soluções para que leste ciclo seja encerrado”.